domingo, 31 de maio de 2009

É regra, ou não é?

É regra, ou não é?

 

Aqui em casa temos uma regra muito clara com as crianças: comida é na cozinha. Não se aceitam negociações nem exceções: comida é na cozinha, e ponto final. Como o chão da cozinha é de granito, e o da sala é de madeira, é fácil para as crianças entenderem o que se espera delas, e para os adultos fazer com que seja respeitada a regra.

 

Entendido isso, vem a história que quero contar, e o que ela tem a ver com vendas. Estou na cozinha, tomando sozinho meu café, num dos poucos momentos tranqüilos do dia. Meu filho vem e me pede uma bolacha (“só uma, pai!”). Olho para a mãe, que faz sim com a cabeça, e dou a bolacha para o Daniel, reforçando que é “só uma”. Distraio-me olhando pela janela e, quando me viro, vejo o Dani me olhando, do outro lado da cozinha, com um olhar que eu definiria como “anjinho subversivo”. Como ainda tem 3 anos, é mais baixo do que a mesa e não consigo ver o que está fazendo. Mas o olhar, para um pai treinado, já diz tudo: ele está aprontando alguma coisa.

 

Deixo a xícara fumegante ao lado da pia e vou dar uma olhada no que está acontecendo. E encontro a cena do crime: meu filho, com o olhar de pequeno terrorista em treinamento, está com metade do pé para fora da cozinha, pisando desafiadoramente na sala. Desafiadoramente é o termo correto – era isso que ele tinha no olhar. Como se dissesse “olhe só o que estou fazendo”. Nem precisei falar muito... disse, em tom de alerta: “Daaaaniiii...”. Ele deu uma risadinha marota, voltou para a cozinha e continuou feliz comendo a bolacha. Na hora pensei: “acontece exatamente a mesma coisa numa equipe de vendas”.

 

Quando meu filho coloca meio pé para fora da cozinha, a questão não é o pé nem a cozinha. É se a regra vale ou não. Ele está querendo saber se é para valer, se é de mentirinha, até onde pode ir e o que acontece se desobedecer. É fácil de entender isso, basta seguir a seqüência natural. O que acontece se eu deixar que ele coloque metade do pé para fora? Vai colocar o pé inteiro. O que acontece se deixar colocar o pé inteiro? Vai dar um passo e sair. O que acontece se deixar sair?

 

Pais e mães que não entendem a seqüência e não fazem a regra ser respeitada, sem exceções, dão espaço para quebras de regra cada vez maiores. Depois a criança derruba suco de uva no tapete da sala e a mãe, ou o pai, chegam e dão uma bronca tremenda, colocam de castigo, alguns imbecis até batem na criança (sim, sou contra). Como se a culpa fosse realmente da criança.

 

Note que a criança deu uns 3 ou 4 alertas do que estava aprontando. Está fazendo seu papel. Qualquer ser humano com um mínimo de inteligência, curiosidade e iniciativa faria o mesmo. A questão é de quem está supervisionando. Se uma regra existe – é regra mesmo, ou não é? Porque se for, é rédea curta e se exige o cumprimento. Se não vai ser cobrado, então melhor nem ter regra. Ou é regra, e é sério e se cumpre, ou não é. A pior de todas as soluções é a hipocrisia e, infelizmente, parece ser a mais comum. Faz de conta que tem uma regra, uns fazem de conta que obedecem, outros fazem de conta que cobram, e todo mundo faz de conta que acredita.

 

Toda vez que eu vejo uma criança mal-educada aprontando, berrando e mandando nos adultos, tem sempre um pai ou mãe falando “ele é assim mesmo”, como se a culpa fosse da criança de 3 anos. Me dá uma vontade tremenda de dizer “deixe de ser bunda-mole – a culpa não é da criança nada. É sua – assuma!!!”.

 

Canso de ver gerentes e supervisores dizendo coisas do tipo: “meus vendedores não preenchem relatórios. Meus vendedores não trabalham o mix de produtos ou de serviços. Meus vendedores sabem que o limite de desconto é 6%, aí dão os 6 e vêm me pedir mais 2. Meus vendedores não prospectam novos clientes, e olha que cansei de falar que tem que prospectar. Meus vendedores... blá blá blá”.

 

Toda vez que vejo uma equipe de vendas mal-educada, aprontando, berrando e mandando no gerente, ele está sempre falando “vendedor é assim mesmo”, como se a culpa fosse da equipe. Me dá uma vontade tremenda de dizer “deixe de ser bunda-mole – a culpa não é dos vendedores. É sua – assuma!!!”.

 

É exatamente por isso que um líder, ao criar a regra de “não colocar o pé para fora”, não pode permitir que alguém coloque meio pé para fora. Não me interessa se é a melhor vendedora da equipe, o melhor representante do país, o filho do dono. Não dá para ser preguiçoso, covarde nem hipócrita na hora de cobrar. Regra é regra.

 

Depois de pensar em tudo isso, voltei a tomar tranqüilamente meu café. Não se passaram 10 segundos e vem o Dani, com aquela cara sorridente, me pedir: “Pai, dá mais uma bolacha? Só uma?”. Na outra ponta da cozinha, o Rafael, meu filho mais novo, olhando quieto o que eu ia dizer. “Olha a responsabilidade”, pensei eu. Obviamente, não dei a bolacha.

 

Abraço e boas vendas,

 

Raul Candeloro